LANCHE

que delícia, uai!

Ao longo de muitos anos, as alternativas de lanche oferecidas aos alunos nas escolas brasileiras foram duas, basicamente. Nas escolas públicas, lanches coletivos oferecidos pelo governo. No seu cardápio, sopas, arroz, macarrão e outros itens, característicos das principais refeições do dia, deixavam escapar a necessidade de combate à fome. Nas particulares, as tradicionais lancheiras com sanduíches, refrigerantes, bolos e outras guloseimas se tornaram o símbolo da merenda individual, preparada pela própria família.

Complementando os serviços de alimentação, tanto nas escolas públicas quanto nas particulares, é comum encontrar-se cantina escolar administrada por terceiros ou pelos gestores das escolas. De forma geral, sempre comercializaram itens como frituras, refrigerantes, doces, salgadinhos industrializados, balas e chicletes.

Entretanto, nos últimos tempos, a mentalidade em relação à alimentação nas escolas vem mudando. Cada vez mais aumenta a preocupação com a qualidade dos alimentos consumidos, principalmente pelas crianças e adolescentes. Nesse sentido, a merenda escolar vem passando por uma revisão e hoje está cada vez mais clara a necessidade de dar preferência para os lanches naturais, assados em vez de fritos, sucos naturais e chás.

No período de 2002-2003, o IBGE realizou o estudo denominado Antropometria e Análise do Estado Nutricional de Crianças e Adolescentes no Brasil.(1) Entre os dados disponibilizados, aparece importante constatação de que existe hoje no Brasil uma proporção de 3,7% de adolescentes desnutridos contra 16,7% que sofrem com o excesso de peso. 

Depois deste, inúmeros outros estudos têm apontado para constatações de natureza semelhante. A inadequação dos hábitos alimentares está na lista de motivos de quase todas as análises dessa situação. De forma geral, a escola vem sendo apontada como um importante agente neste processo, podendo figurar entre os “bandidos” ou os “mocinhos” desta história.



Diante dos diversos estudos e discussões sobre esse tema, alguns municípios e estados brasileiros têm legislado sobre a matéria. Por exemplo, em Florianópolis/SC – desde 2001 e Natal/RN – desde 2006, existe a chamada Lei da Cantina determinando quais bebidas e lanches podem ser comercializados pelas cantinas escolares destes municípios e quais devem ser proibidos. Paralelamente, inúmeros estudos apontam que uma alimentação adequada na fase escolar é considerada de extrema importância. A maioria deles se firma no fato de que, nesse período, se instalam os hábitos alimentares, os quais permanecerão por toda a vida. Também ressaltam que os hábitos inadequados podem colaborar para o aparecimento de doenças, tais como: obesidade infantil, hipertensão, problemas cardiovasculares, glicemia elevada e outras.

A Escola da Criança – Espaço de Adolescer, desde o princípio de seu funcionamento, época em que a preocupação com o lanche das escolas ainda não se impunha como na atualidade, já se preocupava com a questão.

A prova disto é o sistema de lanche adotado:

O sistema de lanche da Escola segue, de forma geral, princípios básicos como:

Hábitos alimentares saudáveis

A Escola entende que o hábito de consumo de alimentos de seus estudantes, em grande parte, está relacionado à educação que eles recebem em casa. As preferências de consumo da família é que representam a maior tendência do hábito a ser instalado. Tal situação se dá, principalmente, pela força das relações familiares e pela quantidade de refeições sob a responsabilidade doméstica.

Isso faz mais sentido quando é analisado que mesmo aquelas refeições feitas pelos filhos fora de casa têm, da família, providência e aval. Entretanto, o lanche na Escola poderá colaborar para a formação de hábitos mais desejáveis. À medida que a escola faz opção por lanches de uma linha mais natural, não estimulando o consumo de salgadinhos industrializados, bolachas recheadas, refrigerantes, balas e chocolates, começará um processo de debate extremamente fértil com seus estudantes.

A Escola, mediante a experiência adquirida ao longo de seus anos de funcionamento, entende que a melhor época de adequar a alimentação de uma criança aos hábitos saudáveis é o começo da infância. No entanto, muitas crianças, pré-adolescentes e adolescentes, já chegam ao convívio escolar com hábitos muito distantes das referências aqui apresentadas.

Em função disso, a Escola tem feito uma opção pela tendência ao natural e por um trabalho paralelo educativo com as famílias, estudantes e profissionais. Muitos dos estudantes e profissionais, se inquiridos sobre o que querem comer, optam justamente pelos itens da lista não recomendada. Sendo assim, a Escola tem trabalhado sob a máxima do antigo provérbio de que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.

Nesta caminhada, tem investido no aprimoramento dos pratos oferecidos para mostrar que, através do delicioso sabor de seus lanches, a refeição saudável e nutritiva não tem necessariamente que ser símbolo de comida sem graça e nem sequer de quedas de braço e proibições.

A denominada tendência ao natural que a Escola tem preconizado inclui, basicamente, os itens abaixo relacionados:

Comensalidade das refeições

Comensalidade significa comer e beber juntos “ao redor da mesma mesa”. Ao longo da história da humanidade, os alimentos deixaram de ser apenas objetos materiais e concretos para se constituírem em símbolos de comunhão e de encontro, principalmente da família.

Mas a atual fragmentação da família, a excessiva demanda de trabalho fora, a opção pela praticidade das inovações impõem uma substituição descomunal de hábitos antes constituídos a partir da essência do humano. Na adaptação a essas e tantas outras demandas contemporâneas, muito da troca e do ritual que envolvia o comer juntos vêm desaparecendo.

A Escola acredita que, para além da necessidade saudável de mudanças de hábitos, estão também essências que se constituem em bens eternos e se propõe guardiã de algumas delas: da função social das refeições, por exemplo. Por isso as refeições na Escola têm uma dimensão coletiva que é materializada na organização de grupos que lancham em horários e com cardápios comuns, embora o rodízio da presença dos profissionais que, por força de lei, têm alguns minutos fora do recinto.

Neste clima, degustar e comentar sabores, celebrar a bênção renovada do alimento posto, cantando e agradecendo a Deus, recitar e ouvir poemas, bater papo e rir vêm sendo ações desejadas e cuidadas.

Minas Gerais é um estado cujas tradições envolvem muitos pratos típicos apreciados por causa de seu preparo lento proposital. É que para os mineiros o dedo de prosa está quase incluído nas receitas.

No interior, onde as mineirices se conservam quase intactas, ainda é comum a mesa posta o dia todo, emendando as cinco refeições costumeiras de cada dia. Horta, pomar repleto de frutas, leite fresco no curral, galinhas caipiras cacarejando, queijo mineiro secando ao ar e cacho de banana amadurecendo ao alto são ainda típicos do cenário de algumas fazendas do interior.

Na Escola, o refeitório aparece encravado num cenário que lembra variadas mineirices. Assim, elas se espalham pelo ambiente ao redor. Na entrada próxima, o som do violão na hora do lanche rememora antigas canções. O monjolo, quando posto a fim de trabalhar por alguma turma, marca o ritmo para os folguedos dos pequenos. Horta, curral e pomar parecem ganhar mais vida nos momentos em que da cozinha exala o cheiro bom dos biscoitos de goma, sequilhos e do personagem mais ilustre – hoje de renome internacional – o pão de queijo mineiro.

Que mais dizer sobre esse cenário? Nada mais, senão se juntar ao burburinho da meninada e da moçada e, como muitos pais têm feito, passar pela cozinha e, às escondidas, sob a cumplicidade das cozinheiras, reclamar sua “provinha”, deixar seu dedinho de prosa e sair depressa não sem antes exclamar: — Que delícia, UAI!

(1) Para mais detalhes sobre este estudo, consulte o site: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2003medidas/default.shtm